Sou libertário no que toca aos assuntos sociais de modo que é difícil admiti-lo, mas o Papa tem razão. Os dados mais confiáveis que temos mostram que os preservativos não funcionam como meio de reduzir as taxas de infecção pelo HIV na África.
Edward Green é diretor do Projeto de pesquisa em prevenção da AIDS, do Centro de Estudos de População e Desenvolvimento da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Harvard. É um médico-antropólogo com mais de 30 anos de experiência no estudo de países em desenvolvimento e no combate à AIDS. Foi entrevistado pelo Ilsussidiario.net acerca das afirmações do Papa sobre a AIDS.
A afirmação do Papa sobre a AIDS e o uso de preservativos é foco de um debate estridente e muitas pessoas – desde o fundador dos Médicos sem Fronteira, Bernard Kouchner, até o presidente da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, e também os membros da Comissão da União Europeia – disseram que tal posicionamento é abstrato demais e mesmo perigoso. Qual é a sua opinião?
Sou libertário no que toca aos assuntos sociais de modo que é difícil admiti-lo, mas o Papa tem razão. Os dados mais confiáveis que temos mostram que os preservativos não funcionam como meio de reduzir as taxas de infecção pelo HIV na África. (Funcionaram na Tailândia e no Cambodja, onde a epidemia é bastante diferente.)
Numa entrevista recente ao site da revista National Review, o senhor disse que não há uma associação consistente entre o uso de preservativos e taxas mais baixas de infecção por HIV. Poderia aprofundar este comentário?
Na verdade, o que vemos de fato é uma associação entre o uso de preservativos e taxas mais altas de infecção. Não sabemos todas as causas desse aumento, mas parte dele tem a ver com aquilo que chamamos de compensação de risco: um homem que usa preservativos acredita que são mais eficazes do que realmente são e, por isso, acaba por assumir comportamentos sexuais de maior risco. Outro fator que é largamente deixado de lado é o fato de as pessoas só usarem preservativos em relações casuais ou com garotos e garotas de programa. O preservativo não é usado com o cônjuge ou o parceiro regular. Assim, se o uso de preservativos aumenta, pode ser que estejamos presenciando uma disseminação do sexo casual.
Então, por incrível que pareça, está provado que o aumento no uso de preservativos está associado com maiores taxas de infecção?
Começou-se a notar anos atrás que os países da África com maior disponibilidade de preservativos e as maiores taxas de uso de preservativo também possuíam as maiores taxas de infecção por HIV. Isto não prova uma relação causal, mas deveria ter-nos feito olhar mais criticamente para os nossos projetos com preservativos.
Além do caso de Uganda, há alguma outra evidência sobre a possibilidade de o modelo ABC (sigla para Abstinência, Seja fiel e Preservativo) dar certo?
Vemos o HIV diminuir em pelo menos 8 ou 9 países africanos. Em todos os casos, a proporção de homens e mulheres que afirmam ter múltiplos parceiros diminuiu alguns anos antes de notarmos a queda. E, contudo, a maioria dos programas continua a dar ênfase nos preservativos, nos testes e nas medicações pesadas. De modo que essa grande mudança comportamental veio apesar dos projetos nacionais de combate à AIDS que enfatizaram os fatores errados (na África). Fico feliz de saber que os dois países com maiores taxas de infecção, a Suazilândia e o Botsuana, lançaram campanhas focadas em desencorajar as pessoas de manterem parceiros múltiplos e concorrentes.
A abstinência entre os adolescentes é, obviamente, um fator. Se as pessoas começam a vida sexual mais tarde, acabam por ter menos parceiros sexuais durante a vida, o que diminui as chances de se infectarem com o HIV.
Então o fator mais importante na luta contra a AIDS é a redução do sexo com múltiplos e concorrentes parceiros.
Como eu já disse, esse é, de fato, o maior desafio.
Uma última pergunta: no modelo ABC, A (abstinência) e B (fidelidade) não são tão relevantes quanto C (preservativos), que possui toda uma indústria atrás de si. Poderíamos dizer que não se trata apenas de uma questão cultural, mas também econômica?
Não sei se entendi bem o que você quer dizer com economia. Quando pensamos em programas do tipo ABC, o PEPFAR (sigla em inglês para o “plano presidencial de emergência para ajuda contra a AIDS”, do governo norte-americano) foi o único a investir de verdade em A e B. E talvez a maior parte das verbas, na minha opinião infelizmente, foi aplicada à educação para a abstinência. Pois a fidelidade é o fator mais importante, seguido pela abstinência, de acordo com os dados que possuo.
Se por economia, você quer dar a entender que é por causa da pobreza que a AIDS se espalha na África, então, mais uma vez, vemos que o continente africano é diferente do resto do mundo. Lá, vemos maiores taxas de infecção nas classes mais educadas e abastadas. De modo que o desenvolvimento da economia africana não reduzirá os índices de HIV (mas, claro, este não é um bom motivo para ignorar os problemas econômicos do continente).
Fonte: Quadrante. Para ler a entrevista no original em inglês, clique aqui.