Por John Jalsevac.
Uma das coisas mais surpreendentes sobre o Natal é seu silêncio.
Nas minhas primeiras aulas de História, nosso professor um dia leu em voz alta duas histórias – uma, relatando o nascimento de Siddhartha Gautama (mais tarde, conhecido como Buda), e outra, o nascimento de Jesus Cristo. A diferença não poderia ser mais profunda.
A primeira criança nasceu no meio de uma exagerada abundância – em um pomar aromático de árvores floridas, cercado de milhares de criados, com deuses e elefantes e jóias e chuvas de pétalas de rosa, e tecidos entrelaçados de metais preciosos, e perfumes celestiais que preenchiam o ar. E, quando Gautama nasceu, dizem que ele deu sete passos e proclamou “Eu sou meu próprio senhor entre o céu e a terra!” Seu nascimento se parece (especialmente, em comparação com o nascimento de Cristo) com um incidente turbulento.
Não há necessidade de contar novamente a história do nascimento de Cristo, por ela ser familiar – certamente, familiar demais. É tão familiar que, freqüentemente, o Natal chega e passa e nós não gastamos cinco minutos imaginando o que foi realmente aquilo. Mas, se nós o fizéssemos, certamente ficaríamos perplexos pelo imenso absurdo da coisa.
O que, eu suspeito, era o que nosso professor almejava concluir por sua justaposição: conscientizar-nos sobre o absurdo do Natal. Os sábios percebem que a forma correta de despertar a reflexão para a singularidade de alguma coisa é colocá-la em contraste a outra coisa, bastante diferente. E, de fato, este tipo de revelação através da comparação funciona melhor quando as duas coisas comparadas compartilham alguma similaridade, mas então diferem na mesma coisa que almejam revelar, a qual então brilha adiante como uma estrela solitária num céu escuro. E, enquanto o Buda e o Cristo de alguma forma eram ambos cridos como salvadores, em seus primeiros momentos na terra um atraiu toda a atenção do mundo para si mesmo, e declarou-se como seu “próprio senhor”, enquanto o Outro cobriu-se a Si mesmo com um véu de silêncio quase completo.
Certamente, nos é dito que a seguir ao nascimento de Cristo houve aparições de anjos e até mesmo um coro angelical a cantar, e, neste sentido, o Natal guarda alguma remota semelhança ao nascimento de Buda. Mas, curiosamente, os anjos do relato natalino de Lucas não apareceram na gruta em Belém, não festejaram o Menino Jesus com canções; ao invés disso, apareceram, de um jeito quase irrelevante, fora da cidade para um grupo de pastores. É como se os anjos estivessem sob estritas ordens para se manterem quietos sobre o acontecimento, mas não puderam manter sua promessa diante de uma alegria exuberante e absoluta: e então eles quebraram seu silêncio por um momento glorioso, pelas costas de Deus (na realidade, pela primeira vez na História poderíamos dizer que Deus tem costas).
Uma imagem conveniente talvez seja a de que era como se Deus fosse uma mãe generosa e amorosa de muitos filhos, que tivesse alcançado um marco memorável (digamos, seu sexagésimo aniversário), mas que, mantendo seu costumeiro hábito de discrição e desprendimento, ordena expressamente a seus filhos que prometam não fazer um grande alvoroço com aquilo e, certamente, que não organizem uma grande e embaraçosa comemoração. Os filhos certamente manterão sua promessa em respeito aos desejos de sua mãe, mas ainda assim provavelmente chamarão os amigos mais próximos, lembrando-lhes do aniversário dela e possivelmente sugerindo que eles apareçam inesperadamente para um chá, como se fosse “por um acaso”. E esses gestos furtivos e discretos garantirão que a mãe saiba que este é um dia de especial importância, e que ela é o centro dele.
Para mim, parece que a atitude dos anjos natalinos, os quais, como os filhos dessa mãe, procuraram os amigos mais próximos do Menino Jesus – os simples e modestos pastores – parecia dizer “Bem, não podemos fazer um barulho muito grande disso, mas se vocês aparecerem por lá de surpresa e lhe prestarem homenagens, não seria uma má idéia. Afinal de contas, é seu aniversário.” No dia de Natal, a gruta onde estava o Deus-Homem ficou completamente sossegada, sem qualquer tumulto, exceto por uma breve visita de uns poucos amigos mais chegados.
Este aspecto particular da história do Natal revela uma enorme verdade, que nossa civilização parece irresponsavelmente determinada a esquecer: estranhamente, parecemos mais inclinados a esquecê-la durante a própria época em que é celebrada. É a mesma verdade encontrada do começo ao fim das escrituras, a mesma verdade que todos os santos através da História repetem. É simplesmente o seguinte: a Deus se encontra no silêncio.
Naturalmente, sem silêncio ninguém jamais chegará a conhecer Deus.
E assim, durante essa época de Natal, vamos renovar nossa resolução de não sermos perturbados por nada: cultivar em nós mesmos, através da oração diária, o silêncio de Belém, o qual nos permitirá enfrentarmos com determinação todos os desafios à essa paz supranatural, que é, em um sentido mais estrito, uma antecipação do Paraíso.
Versão reduzida de texto publicado no maravilhoso site pró-vida LifeSiteNews (clique aqui para o original em inglês). Lembrem-se desse magnífico apostolado em suas orações. Traduzido e adaptado por Matheus Cajaíba.
muito bom! excelente!!! Na minha pouca experiência tenho percebido que os Exercícios Espirituais de Santo Inácio nos ajudam a calar a nossa própria voz, os nossos ruídos… para que possamos ouvir a voz de Deus que nos fala no nosso intimo.
um abraço Matheus.
Muito bom, nem tenho palavras.
Uau…