Mas que mal os católicos fizeram a essa gente?

Por Reinaldo Azevedo.

A AMB, Associação dos Magistrados Brasileiros, divulgou uma nota em que criticou duramente o acordo celebrado pelo governo Lula entre o Brasil e o Vaticano, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e que agora vai a plenário. Segundo a entidade, “o modelo constitucional vigente instituiu a laicidade do Estado brasileiro, garantindo a liberdade religiosa a toda cidadania. O acolhimento do Acordo pelo Congresso Nacional (onde tramita como a Mensagem n° 134/2009) implicará em grave retrocesso ao exercício das liberdades e à efetividade da pluralidade enquanto princípio fundamental do Estado.” Não é verdade. E vou provar que não é. Antes, uma digressão que, de fato, vai nos aproximar do assunto.

Escrevi certa feita neste blog que os católicos estão se tornando os “novos judeus do mundo”. É claro que há nisso um certo exagero. Aliás, o mundo anda tão brucutu, que, em breve, figuras de retórica precisarão de uma nota de rodapé: “Eu quis dizer com isso que…” A Internet é um território particularmente favorável à brutalização da inteligência, mas não exclusivo. A coisa em papel impresso também anda de lascar — e, evidentemente, há as exceções lá e cá. Por que aquele “exagero” de então? Porque o suposto mundo laico, que se quer das “Luzes”, não perde uma só oportunidade de tentar acuar a Igreja Católica e seus fiéis, caracterizando-os ora como rematados imbecis, ora como autoritários, interessados em reprimir outras crenças. Até o ateísmo verde-amarelo exibe traços particulares: há muito ateu que só é ateu contra os católicos — já se viu isso? É mais ou menos como o sujeito vegetariano que só não aceita o consumo de carne de boi, se me permitem a metáfora quadrúpede.

Há dias apontei o que chamei de CCC — Comando de Caça aos Crucifixos. Em nome da laicidade do Estado, há gente querendo banir, por força de imposição legal, aquele símbolo das repartições públicas. Qualquer sujeito democrata, tolerante, vai logo perceber que há uma diferença imensa entre proibir a imposição de um símbolo, o que está correto, e determinar a sua caça e cassação. Num caso, assegura-se a laicidade; no outro, promove-se a perseguição, negando, ademais, um dado óbvio da formação da cultura brasileira. E vejam que curioso: vivemos a era da afirmação da identidade de minorias, de todas elas — de sexo, cor de pele, religião, cultura, hábitos… Só os católicos, parece, têm de desaparecer. Será que têm de sumir porque são maioria? O Comando de Caça aos Crucifixos é, na verdade, Comando de Caça aos Católicos — a menos, é claro, que eles estejam ajudando o MST a invadir terra ou bebendo fermentado de mandioca junto com algum povo da floresta. Um católico só pode mostrar a cara se estiver negando a sua própria religião — a exemplo daquelas senhoras que se dizem “Católicas pelo Direito de Decidir” e que defendem a legalização do aborto. São consultadas pela imprensa até em matéria de Direito Canônico…

Assim como o anti-semitismo atribui aos judeus intenções secretas e planos malévolos para dominar o mundo (a Palestina, então, nem se fala…), também a hierarquia católica, especialmente aquela de Roma, seria insidiosa, sempre disposta a esconder nas dobras e entrelinhas de documentos a disposição para impor a sua vontade e instituir a sua ditadura. Tanto aos “judeus como aos cruzados” (para lembrar a expressão daqueles humanistas da Al Qaeda), a imputação do crime não vem acompanhada de nenhuma prova: “Eu sei que é assim”; “dizem que é assim”; “conta que é assim”. E isso basta.

A reação negativa de certos setores a esse acordo do Brasil com o Vaticano, que a Associação dos Magistrados Brasileiros repudia com tanta veemência em nome do “exercício das liberdades”, toca as raias do absurdo. NÃO HÁ UM SÓ TRECHO, UMA MISERÁVEL LINHA, NADA MESMO, que ameace a liberdade religiosa, que imponha o viés de uma denominação, que atrele a nacionalidade a uma crença, que fira a laicidade do estado. Atenção! Quando digo “nada”, é NADA! NÃO ACREDITEM EM MIM. LEIAM VOCÊS MESMOS O DOCUMENTO que tem sido omitido por seus críticos de maneira deliberada.

SIM, SENHORES! O NOME DISSO É PRECONCEITO. Como é um acordo celebrado entre o Brasil e o Vaticano, não pode ser, evidentemente, coisa boa. Reportagens e editoriais são escritos acusando o que chamam de “redação ambígua” do artigo 11, que trata da educação. Ambígua? Alguém está precisando de aula de “Massinha I” de Interpretação de Texto? Eu o reproduzo aqui:

Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

O que há de ambíguo? Qual é a discriminação? O adjetivo “católico” aparece ali, creio, porque, afinal, é um acordo celebrado com o Vaticano, sabem? Não há no texto nem a sombra de uma imposição ou coisa semelhante. Ocorre que o texto dos “novos judeus” não vale por aquilo que está escrito, mas sim por suas supostas intenções secretas. O que está no documento é ignorado em nome daquilo que dizem estar lá. Acaba de surgir Os Protocolos dos Sábios do Vaticano… Tenham paciência!

A nota da AMB é assinada por Mozart Valadares Pires, presidente. Eu gostaria muito que o magistrado, em vez de apenas qualificar — ou desqualificar — o acordo, procedesse como um bom juiz e demonstrasse a sua tese. Por que a sua nota não reproduz, entre aspas, os trechos do documento que feririam o “exercício das liberdades e a efetividade da pluralidade”? Eu fiquei curioso. Acredito que milhões de católicos e não católicos gostariam de saber onde se escondem essas ameaças. Ou será que elas existem porque, vindo da Igreja Católica, não pode mesmo ser coisa boa?

No dia 24 de abril do ano passado, um tantinho, só um pouquinho, movido pelo sarcasmo, escrevi aqui:

Eu tenho uma saída para o chamado Terceiro Setor, que é como as ONGs gostam de ser chamadas. E, depois de um sério estudo, concluí que:
– as tartarugas estão fugindo das ONGs; já há gente demais para cuidar delas;
– o jacaré do peito amarelo já não suporta ser protegido por rapazes de barbicha e rabinho-de-cavalo e moças que curtem “cantoras intensas” da MPB;
– o índio está cansado de fumar aquele troço e bater o pé no chão só para os antropólogos do complexo PUCUSP curtirem um barato;
– estão faltando negros para tantas vagas no ProUni.
Em suma, É preciso que o tal Terceiro Setor descubra novos oprimidos. Eu tenho uma dica. Que tal proteger um pouco, para variar, o branco pobre, macho, adulto e heterossexual? Tadinhos. Ninguém liga pra eles. Não vêem a hora de ter uma ONG para cuidar dos seus interesses.
O branco pobre, macho, adulto e heterossexual é que é o verdadeiro negro do Brasil.
O branco pobre, macho, adulto e heterossexual é que é o verdadeiro índio do Brasil.
O branco pobre, macho, adulto e heterossexual é que é o verdadeiro micro-leão-da-cara-preta do Brasil.

Volto
Completem aí: “branco, pobre, macho, adulto, heterossexual e católico”. Esse bicho está condenado à extinção. É um sem-ONG. Isto: é preciso fundar o MSO — o Movimento dos Sem-ONG.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo.

Um dos maiores especialistas do mundo no combate à AIDS diz: “O Papa está certo”. Mas essa notícia foi devidamente sonegada dos leitores

Por Reinaldo Azevedo.

Há coisas que você jamais vai ler na imprensa brasileira porque, dada a sua “isenção” de propaganda, às vezes letal para a inteligência e a verdade, pouco importa a consideração de uma autoridade científica ou religiosa se o que elas dizem não coincide com a metafísica politicamente correta. Aceita-se a chamada pluralidade, mas sem exageros, é claro. Querem ver?

Vocês se lembram que, em Camarões — e, de fato, foi uma mensagem para o continente africano —, o papa Bento 16 afirmou que a distribuição maciça de camisinhas não era o melhor programa de combate à AIDS. E disse que o problema poderia até se agravar. A estupidez militante logo entendeu, ou fingiu entender, que Sua Santidade contestara a eficiência do preservativo para barrar a transmissão do vírus. Bento 16 não tratava desse assunto, mas de coisa mais ampla. Referia-se a políticas públicas de combate à expansão da doença. Apanhou de todo lado. De todo mundo. No Brasil, noticiou-se a coisa com ares de escândalo. Os valentes nem mesmo investigaram os números no Brasil — a contaminação continua alta e EM ALTA em alguns grupos — e no mundo. Adiante.

Se você pesquisar um pouco, vai saber que o médico e antropólogo Edward Green (foto) é uma das maiores autoridades mundiais no estudo das formas de combate à expansão da AIDS. Ele é diretor do Projeto de Investigação e Prevenção da AIDS (APRP, na sigla em inglês), do Centro de Estudos sobre População e Desenvolvimento de Harvard. Pois bem. Green concedeu uma entrevista sobre o tema. E o que ele disse? O PAPA ESTÁ CERTO. AS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS CONFIRMAM O QUE DIZ SUA SANTIDADE. Ora, como pode o papa estar certo? Vamos sonegar essa informação dos leitores.

Em entrevista aos sites National Review Online (NRO) e Ilsuodiario.net, Green afirma que as evidências que existem apontam que a distribuição em massa de camisinha não é eficiente para reduzir a contaminação na África. Na verdade, ao NRO, ele afirmou que não havia uma relação consistente entre tal política e a diminuição da contaminação. Ao Ilsuodiario, assumiu claramente a posição do papa — e, notem bem!, ele fala como cientista, como estudioso, não como religioso: “O que nós vemos de fato é uma associação entre o crescimento do uso da camisinha e um aumento da AIDS. Não sabemos todas as razões. Em parte, isso pode acontecer por causa do que chamamos ‘risco compensação” — literalmente, nas palavras dele ao NRO: “Quando alguém usa uma tecnologia de redução de risco, freqüentemente perde o benefício (dessa redução) correndo mais riscos do que aquele que não a usa”.

Pois é… Green também afirma que o chamado programa ABC — abstinência, fidelidade e, sim, camisinha (se necessário), que está em curso em Uganda — tem-se mostrado eficiente para diminuir a contaminação. E diz que o grande fator para a queda é a redução de parceiros sexuais. Que coisa, não?

NÃO É MESMO INCRÍVEL QUE SEXO MAIS RESPONSÁVEL CONTRIBUA PRA DIMINUIR OS CASOS DE CONTAMINAÇÃO? Pois é… Critico as campanhas de combate à aids no Brasil desde o Primeira Leitura, como sabem. E, aqui, desde o primeiro dia. Há textos às pencas no arquivo. A petralhada que se pensa cheia de veneno e picardia erótica gritava: “Você quer impor seu padrão religioso ao país…” Ou então: “Você não gosta de sexo…” Pois é. Vai ver Harvard escolheu um idiota católico e sexofóbico para dirigir o programa…

Bento 16 apanhou que deu gosto. E apanhou pelo que não disse — e ele jamais disse que a camisinha facilita a contaminação de um indivíduo em particular — e pelo que disse: a AIDS é, sim, uma doença associada ao comportamento de risco e, pois, às escolhas individuais. Sem que se mude esse compartamento, nada feito.

Pois é… O mundo moderno não aceita que as pessoas possam ter escolhas. Como já escrevi aqui certa feita, transformaram a camisinha numa nova ética. E, como tal, ela é de uma escandalosa ineficiência.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo.

Reinaldo Azevedo: “Que Deus é este?”

Reinaldo Azevedo é um dos mais importantes jornalistas do país. Colunista da revista Veja, ele nos brinda na edição desta semana com uma reflexão lúcida e pouco comum na imprensa brasileira: referindo-se ao interminável genocídio em Darfur, no Sudão, matéria de capa da publicação, Reinaldo defende que “a escolha do Mal” significa “a renúncia a Deus”.

Um texto tão belo não precisa de nenhum comentário. Segue o primeiro parágrafo:

Boa parte das nações e dos homens celebra, nesta semana, o nascimento do Cristo, e uma vez mais nos perguntamos, e o faremos eternidade afora: qual é o lugar de Deus num mundo de iniqüidades? Até quando há de permitir tamanha luta entre o Bem e o Mal? Até Ele fechou os olhos diante das vítimas do nazismo em Auschwitz, dos soviéticos que pereceram no Gulag, da fome dizimando milhões depois da revolução chinesa? E hoje, “Senhor Deus dos Desgraçados” (como O chamou o poeta Castro Alves)? Darfur, a África Subsaariana, o Oriente Médio… Então não vê o triunfo do horror, da morte e da fúria? Por que um Deus inerme, se é mesmo Deus, diante das “espectrais procissões de braços estendidos”, como escreveu Carlos Drummond de Andrade? Que Deus é este, olímpico também diante dos indivíduos? Olhemos a tristeza dos becos escuros e sujos do mundo, onde um homem acaba de fechar os olhos pela última vez, levando estampada na retina a imagem de seu sonho – pequenino e, ainda assim, frustrado…

O texto está disponível para assinantes da revista Veja. Mas quem não for assinante, pode ler o texto aqui, no blog Brasil Acima de Tudo – que diariamente publica online textos sempre interessantes dos principais jornais e revistas do país.